segunda-feira, 14 de abril de 2014

Mainhê!

Hoje deu saudade quando eu tinha catorze e a preocupação era saber se no meu booster viria um card raro halográfico, quando eu torcia pra ser segunda-feira e ter não só uma, mas duas aulas seguidas de educação física. Quando a maior preocupação era resolver funções do segundo grau e saber decorar as regras de geometria para calcular o trapézio. Daquela inocência boba de querer jogar pokemon e não ter pelos no saco. De não querer saber de imposto, nem de remuneração ou alíquotas e técnicas de venda. Saudade de quando eu não me importava se o uniforme estava bem conservado ou com uma pequena "sujeirinha" de molho de tomate do americano de presunto e queijo. Aquela primeira vez que eu fui no Shopping sozinho a tarde com meus amigos e vi uma nota de cem reais na mão de um deles, nunca tinha ganhado aquela quantia, porém a minha mão e a minha consciência, se alegravam com apenas quinze reais, que já era o suficiente pra comprar o sorvete e pagar a entrada do cinema. Perder dinheiro e tempo socando a máquina de dar socos do Goiânia Shopping, jogar boliche e perder, ser apenas mais um no mundo e não se importar em ser apenas mais um no mundo. Achar que beijar na boca era nojento e que se minha mãe ficasse sabendo, minha casa cairia legal por isso. 
Acordar todos os dias de manhã e caminhar rumo ao colégio, atravessar as ruas e vielas, ao longo dessa caminhada diária de um km por dia, durante cinco anos, eu percebi que as coisas ao meu redor mudavam enquanto eu apenas me preocupava em desviar das rachaduras e não pisar nelas (esse era meu TOC) porque de acordo com a minha teoria, eu poderia ter um dia inteiro de azar. Isso passou depois que me preocupei em chutar pedras, feito louco, mas era só um menino procurando algo pra se destrair enquanto caminhava. 
Tudo ao meu redor foi mudando aos poucos, pelos crescendo, a voz tentando sair um pouco mais grave e cicatrizes. 


Vários aprendizados, muita gente que se foi, ruas com fantasmas, trajeto lembrado, Sol Nascente era o nome do colégio e até então foi o melhor lugar que eu pisei na minha infância, por incrível que pareça, um colégio. O chão da quadra, o chão do pátio, a casinha em tijolos a vista, o ventilador barulhento, a tentativa de suicídio do Jefferson (nunca esqueço isso) e falha, porque ele não morreu (graças a Deus que retardou o efeito da gravidade). Saudade do cheiro de giz, que até hoje me faz lembrar daquele olfato inocente perdido no tempo, deixado no passado. Porque perdemos a inocência? Porque ganhamos essa conotação? Por mais retórica que possa parecer minha pergunta, vale a pena refletir quando você achou que teria pra sempre 10 reais pra gastar num Shopping e que ninguém se importava com seu jeito ou com seu dedo no nariz em público ou seu uniforme com mancha de molho de tomate e um cheirinho de suor de educação física. Nessa época eu raspava a cabeça e era o único que fazia isso no meio dos cabeludos. De acordo com a minha mãe, eu ganhava mais cara de homem. Acho que ela já queria antecipar uma fase, acho que ela previa que a minha inocência tinha dias contados e que eu não mais deixaria cair molho na minha roupa. Sábia minha mãe, mas acho que o medo era perder o pronome de tratamento: mamãe. Não sei ao certo, mas raspava na máquina dois ou três, depois falaram que eu estava parecendo um aidético na dois, então comecei a raspar somente na três, a verdade é que eu não me importava com o que pensavam de mim, com aquela cabeça de ovo no meio dos meninos cabeça de cuia. Não tinha vaidade e a ganância do mundo capitalista nem tinha entrado completamente na minha mente, já gostava de música, diga-se de passagem de péssima qualidade (algumas) e curtia futebol, since ever.
Hoje, eu ainda curto futebol, não como antes. Não quero levar apenas fez reais pro Shopping e não uso roupa com cheirinho de Educação física, também não compro booster do pokemon e não pulo rachaduras no chão. Eu cresci e a minha inocência sofreu o retrocesso que todo adulto tem quando cresce. Ninguém sabe que a inocência vai e vem, ninguém sabe que todos somos inocentes.


Mãe! Pega aquela outra camisa porque caiu molho de tomate na minha camiseta!