Acordar todos os dias de manhã e caminhar rumo ao colégio, atravessar as ruas e vielas, ao longo dessa caminhada diária de um km por dia, durante cinco anos, eu percebi que as coisas ao meu redor mudavam enquanto eu apenas me preocupava em desviar das rachaduras e não pisar nelas (esse era meu TOC) porque de acordo com a minha teoria, eu poderia ter um dia inteiro de azar. Isso passou depois que me preocupei em chutar pedras, feito louco, mas era só um menino procurando algo pra se destrair enquanto caminhava.
Tudo ao meu redor foi mudando aos poucos, pelos crescendo, a voz tentando sair um pouco mais grave e cicatrizes.
Vários aprendizados, muita gente que se foi, ruas com fantasmas, trajeto lembrado, Sol Nascente era o nome do colégio e até então foi o melhor lugar que eu pisei na minha infância, por incrível que pareça, um colégio. O chão da quadra, o chão do pátio, a casinha em tijolos a vista, o ventilador barulhento, a tentativa de suicídio do Jefferson (nunca esqueço isso) e falha, porque ele não morreu (graças a Deus que retardou o efeito da gravidade). Saudade do cheiro de giz, que até hoje me faz lembrar daquele olfato inocente perdido no tempo, deixado no passado. Porque perdemos a inocência? Porque ganhamos essa conotação? Por mais retórica que possa parecer minha pergunta, vale a pena refletir quando você achou que teria pra sempre 10 reais pra gastar num Shopping e que ninguém se importava com seu jeito ou com seu dedo no nariz em público ou seu uniforme com mancha de molho de tomate e um cheirinho de suor de educação física. Nessa época eu raspava a cabeça e era o único que fazia isso no meio dos cabeludos. De acordo com a minha mãe, eu ganhava mais cara de homem. Acho que ela já queria antecipar uma fase, acho que ela previa que a minha inocência tinha dias contados e que eu não mais deixaria cair molho na minha roupa. Sábia minha mãe, mas acho que o medo era perder o pronome de tratamento: mamãe. Não sei ao certo, mas raspava na máquina dois ou três, depois falaram que eu estava parecendo um aidético na dois, então comecei a raspar somente na três, a verdade é que eu não me importava com o que pensavam de mim, com aquela cabeça de ovo no meio dos meninos cabeça de cuia. Não tinha vaidade e a ganância do mundo capitalista nem tinha entrado completamente na minha mente, já gostava de música, diga-se de passagem de péssima qualidade (algumas) e curtia futebol, since ever.
Hoje, eu ainda curto futebol, não como antes. Não quero levar apenas fez reais pro Shopping e não uso roupa com cheirinho de Educação física, também não compro booster do pokemon e não pulo rachaduras no chão. Eu cresci e a minha inocência sofreu o retrocesso que todo adulto tem quando cresce. Ninguém sabe que a inocência vai e vem, ninguém sabe que todos somos inocentes.
Mãe! Pega aquela outra camisa porque caiu molho de tomate na minha camiseta!