quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Nas quatro linhas da vida.

Era pra ser mais um fim de tarde de uma terça-feira, naquela boa-velha rotina de sempre, com o horário de verão prorrogando as estrelas, ali estávamos, entre amigos, jogando o futebol de férias.
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Então... O que era pra ser mais um fim de tarde de terça-feira, foi de fato mais um fim de tarde de terça-feira, só que com mais esperança de chutar, de não cair, de se levantar e tentar.

Aquele cara é mesmo forte e decidido. -"Vou com jogar com vocês então!". E não é que ele foi mesmo? 



Fiquei pensando, no caminho pro futebol... Como é que ele consegue viver? Como ele consegue jogar futebol sabendo que amanhã ele pode estar numa cama esperando a morte chegar? Cara! Do lado desse moleque eu sou um incrédulo de pouca-fé porque fiquei me colocando no lugar dele e ele conseguiu me vencer no quesito "acreditar". 

Chegamos na quadra e logo todos começaram a cumprimentá-lo como se não acreditassem naquilo que estavam vendo. Sim! Um jovem com seus dezenove, com uma vida toda pela frente, em fase de metástase pronto para jogar futebol. Uma doença maldita que consome, nos dá esperança e depois leva aqueles que acreditavam... Mas com ele é diferente, ele não vive em metástase e não tem câncer... Tem os seus problemas mas não os vive e ainda que naquele dia ele pudesse tê-los, preferiu assumir o risco de jogar e pagar pra ver.
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Começou o jogo e eu fiquei no próximo time a jogar, do lado de fora esperando pra entrar. Ele estava do meu lado só analisando tudo. Nos chamaram pra jogar e ele ainda ficou de fora...
Enquanto eu jogava, o vi em pé ansioso pra poder entrar e jogar uma partida, de fato ele esperava angustiado com as mãos no alambrado e vi que os olhos dele brilhavam enquanto olhava pra bola.
Então foi sua vez de jogar, o meu time contra o dele... Num breve momento ele parecia jogar muito bem, deu um ou dois dribles, um deles foi sensacional, passando no meio de dois marcadores... Foi quando em uma bola cruzada, ele de frente pro gol, sozinho... tentou dar o chute e caiu por cima de uma das pernas, meio que com o joelho no chão. Vi aquela bola saindo pela lateral como uma criança que sai triste depois de uma bronca de seu pai, e, que bronca! Por hora pensei que eu levaria a bronca por ter dado aquela idéia e me senti um louco-idiota por tê-lo convidado para estar ali se arriscando. Ele começou a sentir muita dor e logo sentou num dos bancos fora da quadra. Pensei que tivesse torcido ou contundido de forma mais séria, mas eram só arranhões, todos rodearam-no e começaram a dizer preocupadamente. -"Calma Yan, fica tranquilo que isso acontece". Acontece? Eu, na minha "tamanha pequenez" de pensamento logo imaginei que isso não acontecia porque eu nunca tinha jogado futebol com alguém que tem câncer.
Como se não bastasse, me chega o Maurício batendo um spray daqueles que fedem a arnica e o menino corre pro banheiro pra vomitar, efeitos da quimio de três semanas atrás que mexem com 
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Cara! Que loucura! Ele jogou mesmo o futebol no meio daqueles caras, impressionante foi vê-lo correr e tentar chutar a bola. Na volta pra casa, quando estávamos só nós dois no carro, eu disse a ele que valeu a pena, mesmo que ele tenha caído e se machucado, porque ele tentou! Ele brincou e sorriu  como quem já sabia... dizendo.  -"Aquela bola tinha rumo certo, era caixa!". Nós rimos e ele me deu um pen drive, pra colocar músicas pra ele ouvir, porque de acordo com ele, o meu gosto musical é legal.



Naquela tarde, pude perceber que os problemas estão na nossa mente, no campo de batalha que existe dentro de nós mesmos... Que para Deus nada é impossível, se tenho pernas eu caminho, se tenho mãos eu agarro, mas se tenho câncer eu jogo futebol numa terça-feira qualquer.








Obrigado pela tarde, por me dar aquela lição que eu jamais esquecerei, a lição de tentar pegar aquela bola perdida, por maior que fosse o risco...eu sei que pra você valeu a pena ter tentado!

O nome dele é Yan Brunno, tem dezenove anos e sonha em ser um jogador de futebol.